Da noite para o dia, a natalense que não conhecia o Rio de Janeiro conquistou os cariocas promovendo verdadeiros milagres que curaram doentes e salvaram muitas vidas.
A natalense Isaltina foi o maior médium curador que o Brasil conheceu enquanto se dedicou ao espiritismo. |
Cada vez mais caracterizado pelo empenho
com que se dedica a apagar de sua memória os filhos que se projetaram
singularmente - e necessitando, por justiça, rever esta conduta -, há muito
tempo o Rio Grande do Norte deveria voltar-se para a história da natalense
Isaltina Cavalcanti, cuja trajetória, precoce e celeremente, a transformou num
dos brasileiros mais famosos dos anos sessenta e setenta.
Este resgate pode ser feito tanto por
escritores, jornalistas e equipes de televisão e de cinema quanto por grupos
que se interessam pela pesquisa a respeito de temas culturais e religiosos.
Ainda muito jovem e durante alguns anos
Isaltina foi o “médium” curador que mais se destacou em todo o país, precedendo
ao legendário José Arigó e a outros que ainda hoje são lembrados pelas
cirurgias que conduziram, devolvendo qualidade de vida a muita gente.
Curando
milhares de pessoas
Como sintetiza um dos pouquíssimos
textos mantidos na internet sobre ela, “na década de 1960, a médium Isaltina
Cavalcanti, natural de Natal, foi para o Rio de Janeiro acompanhada do seu
mentor Sebastião Pedra D'Água e no terreiro de Umbanda ‘Tenda Espírita Santo
Antonio de Pádua’, atendeu e curou milhares de pessoas, servindo de aparelho
para o médico alemão Artz Scovsck. Como sempre nestes casos, havia os
detratores e a imprensa ávida pelo sensacionalismo”.
Vê-se que é pouca informação sobre quem,
antes mesmo de conhecer os bairros que a atraiam na Cidade Maravilhosa, transformou-se
em capa das principais revistas semanais daquela época, principalmente “Manchete”
e “O Cruzeiro”, e dos jornais diários do Rio de Janeiro, em função das grandes
multidões que atraía para subúrbios da então capital do Estado da Guanabara,
assim como para cidades da Baixada Fluminense, operando o que a linguagem do
católico comum definia como milagres.
Do carroceiro ao general do exército,
todos que haviam perdido a esperança em hospitais e consultórios médicos a
procuravam, e quase sempre nela encontravam a cura almejada.
A crônica da época diz que diariamente
mais de cinqüenta ônibus deixavam no entorno de Isaltina caravanas de todo o
país, e ela não aceitava encerrar a jornada diária enquanto não atendesse a
todos quantos a procuravam implorando a cura pelo seu magnetismo, seus passes e
das consultas e cirurgias que promovia em colaboração com o espírito do médico
alemão Doutor Scovsk.
Trajando suas características bata e
boina brancas de enfermeira, muitas vezes Isaltina precisava interromper um
atendimento para subir a uma marquise e discursar para milhares de visitantes
que temiam não ter direito a estar com ela devido ao adiantado da hora,
assegurando-lhes que os atenderia e exortando-os a esperar a consulta em paz,
em orações, em sintonia com Deus, a quem dedicava tudo o que fazia.
Buscando
a paz
Submetida a um processo desumano de
trituração de imagem e violentação da personalidade, Isaltina sofreu muito e
terminou se afastando do ministério da caridade, das manchetes e suburbano subitamente
invadido por hordas de todo o Rio e diversos estados e regiões do Brasil, Trocou
aquele cenário pela busca de algo que ao menos lembrasse a tranqüilidade de que
desfrutava em Natal, quando ainda era uma jovem funcionária dos Correios e
Telégrafos, filha de um oficial da ativa da polícia militar, o coronel Genésio
Cabral de Lima, casada e mãe de um menino do qual teve de se afastar ao ser
arrastada daqui para cumprir sua missão espiritual no Rio de Janeiro.
A fama que conquistou e o que a muitos parecia
ser um sucesso orgulhava muito, na época, os conterrâneos. Mas não lhe deram
fortuna, porque praticava a mediunidade gratuitamente, seguindo preceito
doutrinário escrito pelo codificador Leon Kardec, embora não se tivesse
aprofundado no estudo da codificação espírita.
Chegando
pela dor
No apogeu de sua exposição pública, Isaltina
foi transformada em personagem de alguns livros de muita vendagem naquela
época, como “Isaltina – O caminho dos Milagres”, no qual os jornalistas Costa
Cotrim e Rossini Rossi focalizaram sua trajetória a partir da infância de
devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro até o dia em que a mediunidade se
lhe apareceu com a jeito de doença nervosa, algo que hoje seria logo mencionado
como depressão intercalada de surtos que a medicina material não diagnosticava.
Como dizem expoentes da comunidade
espírita de Natal, a pessoa só chega à sua doutrina por dois caminhos, o do amor
ou o da dor. Com Isaltina verificou-se a utilização da segunda estrada. Apesar
de possuir congenitamente forte mediunidade, ela nunca cogitou de se aproximar
do espiritismo em função de sua enorme lealdade à religião Católica e à santa
de sua devoção, e só procurou um centro espírita depois que amigas lhe
recomendaram como tentativa de cura.
Escondendo-se
dos pais
Entre o primeiro e o próximo contato com
os praticantes de uma atividade cujo nome nem podia pronunciar em sua casa, passou-se
pouco tempo, que Isaltina aproveitou para muito discretamente procurar conhecer
um pouco mais sobre o espiritismo. Com praticamente nenhuma preparação
intelectual para abraçar a doutrina, a princípio ela se dedicou à umbanda, que
colide com o espiritismo em muitos pontos.
Naquele tempo, como lembra uma sua
sobrinha, Rosênia, trabalhadora numa das mais conhecidas instituições espíritas
de Natal, ainda não havia o estudo sistematizado da doutrina espírita. Além
disso, a literatura que chegava a esta capital era mínima. Por fim, como aderira
ao espiritismo escondida dos pais, notadamente de dona Mercês, devota fervorosa
de Nossa Senhora e voluntária em equipes de trabalho na igreja do bairro em que
a família morava, Isaltina não tinha muito a quem consultar a respeito.
Passando a interagir com pessoas que se
dedicavam à umbanda, passou a atuar nesta pensando que estava abraçando o que
depois conheceria melhor como doutrina espírita, um campo que naquele tempo
quem conhecia definia como “espiritismo cardecista”, numa alusão ao codificador
Allan Kardec.
Mil
atendimentos
Ela nunca procurou se transformar em
trabalhadora do espiritismo. Foi, digamos assim, descoberta, enquanto procurava
a cura, em Natal, por um olheiro avançado da Confederação Brasileira Espírita
Umbandista (CEU), o orientador espiritual Sebastião dos Santos, que se tornaria
mais conhecido, nacionalmente babalaô “Sebastião Pedra D’Água”. Atuando em
Natal como representante de uma entidade nacional de umbanda, ele a conheceu quando
Isaltina começou a frequentar o centro onde sua saúde passou a melhor,
convenceu-a de sua incomum capacidade de se comunicar com espíritos e a levou
para a sede da entidade, no Rio de Janeiro, e dali para Morro Agudo, a área onde
ela mais curou gente, muita gente.
Para se ter idéia, diariamente mais de
cem ônibus procedentes de vários estados despejavam perto do seu local de
atendimento milhares de pessoas que só acreditavam nela como capaz de curá-las.
Houve dias em que a organização da “Tenda
Santo Antonio de Pádua”, onde ela clinicava e operava, agendou mil consultas
para Isaltina, cuja integridade levou o Supremo Conselho Sacerdotal
Afro-Brasileiro, órgão máximo religioso da Federação Espírita Umbandista do Rio
de Janeiro, e a União Afro-Brasileira, a promoverem campanhas visando atenuar o
impacto de acusações que a incompreensão e a intransigência religiosas assacavam
contra ela.
O mesmo apoio lhe chegou também do
Instituto Cultural Afro-Brasileiro e da Federação Nacional das Sociedades
Religiosas da Umbanda. Por último, vários médicos, inclusive profissionais sem
nenhuma vinculação com o espiritismo, fizeram questão de acompanhar seu
trabalho e atestaram os resultados e a ausência de prejuízos para as pessoas a
quem ela assistia.
“Estamos impressionados com as curas que
presenciamos”, admitiu um deles em depoimento a jornal fluminense.
Parentes
em Natal
Devolvida graças a muito esforço próprio
ao anonimato, em plenos trinta e poucos anos, Isaltina, que se transferiu para Brasília, onde faleceria quarenta e tantos anos depois da atuação no Rio de Janeiro, é um personagem cuja
reconstituição ainda pode ser feita, através de fontes de informações
encontradas no Rio de Janeiro, nos arquivos de jornais e em livros e imagens
arquivadas por emissoras de televisão, bem como pelos livros que a descreveram
ou degradaram. Melhor, ainda, é a parte da reconstituição que pode ser
providenciada em Natal, onde ainda residem familiares muito próximos a ela, a
começar por sua irmã Iolanda.
Um documentário sobre ela poderia ser
financiado por uma dessas leis de incentivo à cultura, que em Natal mais
patrocinam empreendimentos negociais do que a criação intelectual. E não precisaria
ser laudatório, mas apenas mostrar aos conterrâneos e a interessados de longe o
que Isaltina fez em benefício de muitos e a contribuição que emprestou à
divulgação do espiritismo, pelo menos de sua vertente umbandista, no Brasil.
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