domingo, 31 de maio de 2015

RN precisa se voltar para Isaltina Cavalcanti

Da noite para o dia, a natalense que não conhecia o Rio de Janeiro conquistou os cariocas promovendo verdadeiros milagres que curaram doentes e salvaram muitas vidas.

A natalense Isaltina foi o maior médium curador que o
 Brasil conheceu enquanto se dedicou ao espiritismo.
Cada vez mais caracterizado pelo empenho com que se dedica a apagar de sua memória os filhos que se projetaram singularmente - e necessitando, por justiça, rever esta conduta -, há muito tempo o Rio Grande do Norte deveria voltar-se para a história da natalense Isaltina Cavalcanti, cuja trajetória, precoce e celeremente, a transformou num dos brasileiros mais famosos dos anos sessenta e setenta.
Este resgate pode ser feito tanto por escritores, jornalistas e equipes de televisão e de cinema quanto por grupos que se interessam pela pesquisa a respeito de temas culturais e religiosos.
Ainda muito jovem e durante alguns anos Isaltina foi o “médium” curador que mais se destacou em todo o país, precedendo ao legendário José Arigó e a outros que ainda hoje são lembrados pelas cirurgias que conduziram, devolvendo qualidade de vida a muita gente.
Curando milhares de pessoas
Como sintetiza um dos pouquíssimos textos mantidos na internet sobre ela, “na década de 1960, a médium Isaltina Cavalcanti, natural de Natal, foi para o Rio de Janeiro acompanhada do seu mentor Sebastião Pedra D'Água e no terreiro de Umbanda ‘Tenda Espírita Santo Antonio de Pádua’, atendeu e curou milhares de pessoas, servindo de aparelho para o médico alemão Artz Scovsck. Como sempre nestes casos, havia os detratores e a imprensa ávida pelo sensacionalismo”.
Vê-se que é pouca informação sobre quem, antes mesmo de conhecer os bairros que a atraiam na Cidade Maravilhosa, transformou-se em capa das principais revistas semanais daquela época, principalmente “Manchete” e “O Cruzeiro”, e dos jornais diários do Rio de Janeiro, em função das grandes multidões que atraía para subúrbios da então capital do Estado da Guanabara, assim como para cidades da Baixada Fluminense, operando o que a linguagem do católico comum definia como milagres.
Do carroceiro ao general do exército, todos que haviam perdido a esperança em hospitais e consultórios médicos a procuravam, e quase sempre nela encontravam a cura almejada. 
A crônica da época diz que diariamente mais de cinqüenta ônibus deixavam no entorno de Isaltina caravanas de todo o país, e ela não aceitava encerrar a jornada diária enquanto não atendesse a todos quantos a procuravam implorando a cura pelo seu magnetismo, seus passes e das consultas e cirurgias que promovia em colaboração com o espírito do médico alemão Doutor Scovsk.
Trajando suas características bata e boina brancas de enfermeira, muitas vezes Isaltina precisava interromper um atendimento para subir a uma marquise e discursar para milhares de visitantes que temiam não ter direito a estar com ela devido ao adiantado da hora, assegurando-lhes que os atenderia e exortando-os a esperar a consulta em paz, em orações, em sintonia com Deus, a quem dedicava tudo o que fazia. 
Buscando a paz
Submetida a um processo desumano de trituração de imagem e violentação da personalidade, Isaltina sofreu muito e terminou se afastando do ministério da caridade, das manchetes e suburbano subitamente invadido por hordas de todo o Rio e diversos estados e regiões do Brasil, Trocou aquele cenário pela busca de algo que ao menos lembrasse a tranqüilidade de que desfrutava em Natal, quando ainda era uma jovem funcionária dos Correios e Telégrafos, filha de um oficial da ativa da polícia militar, o coronel Genésio Cabral de Lima, casada e mãe de um menino do qual teve de se afastar ao ser arrastada daqui para cumprir sua missão espiritual no Rio de Janeiro.
A fama que conquistou e o que a muitos parecia ser um sucesso orgulhava muito, na época, os conterrâneos. Mas não lhe deram fortuna, porque praticava a mediunidade gratuitamente, seguindo preceito doutrinário escrito pelo codificador Leon Kardec, embora não se tivesse aprofundado no estudo da codificação espírita.
Chegando pela dor
No apogeu de sua exposição pública, Isaltina foi transformada em personagem de alguns livros de muita vendagem naquela época, como “Isaltina – O caminho dos Milagres”, no qual os jornalistas Costa Cotrim e Rossini Rossi focalizaram sua trajetória a partir da infância de devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro até o dia em que a mediunidade se lhe apareceu com a jeito de doença nervosa, algo que hoje seria logo mencionado como depressão intercalada de surtos que a medicina material não diagnosticava.
Como dizem expoentes da comunidade espírita de Natal, a pessoa só chega à sua doutrina por dois caminhos, o do amor ou o da dor. Com Isaltina verificou-se a utilização da segunda estrada. Apesar de possuir congenitamente forte mediunidade, ela nunca cogitou de se aproximar do espiritismo em função de sua enorme lealdade à religião Católica e à santa de sua devoção, e só procurou um centro espírita depois que amigas lhe recomendaram como tentativa de cura.
Escondendo-se dos pais
Entre o primeiro e o próximo contato com os praticantes de uma atividade cujo nome nem podia pronunciar em sua casa, passou-se pouco tempo, que Isaltina aproveitou para muito discretamente procurar conhecer um pouco mais sobre o espiritismo. Com praticamente nenhuma preparação intelectual para abraçar a doutrina, a princípio ela se dedicou à umbanda, que colide com o espiritismo em muitos pontos.
Naquele tempo, como lembra uma sua sobrinha, Rosênia, trabalhadora numa das mais conhecidas instituições espíritas de Natal, ainda não havia o estudo sistematizado da doutrina espírita. Além disso, a literatura que chegava a esta capital era mínima. Por fim, como aderira ao espiritismo escondida dos pais, notadamente de dona Mercês, devota fervorosa de Nossa Senhora e voluntária em equipes de trabalho na igreja do bairro em que a família morava, Isaltina não tinha muito a quem consultar a respeito.
Passando a interagir com pessoas que se dedicavam à umbanda, passou a atuar nesta pensando que estava abraçando o que depois conheceria melhor como doutrina espírita, um campo que naquele tempo quem conhecia definia como “espiritismo cardecista”, numa alusão ao codificador Allan Kardec.
Mil atendimentos
Ela nunca procurou se transformar em trabalhadora do espiritismo. Foi, digamos assim, descoberta, enquanto procurava a cura, em Natal, por um olheiro avançado da Confederação Brasileira Espírita Umbandista (CEU), o orientador espiritual Sebastião dos Santos, que se tornaria mais conhecido, nacionalmente babalaô “Sebastião Pedra D’Água”. Atuando em Natal como representante de uma entidade nacional de umbanda, ele a conheceu quando Isaltina começou a frequentar o centro onde sua saúde passou a melhor, convenceu-a de sua incomum capacidade de se comunicar com espíritos e a levou para a sede da entidade, no Rio de Janeiro, e dali para Morro Agudo, a área onde ela mais curou gente, muita gente.
Para se ter idéia, diariamente mais de cem ônibus procedentes de vários estados despejavam perto do seu local de atendimento milhares de pessoas que só acreditavam nela como capaz de curá-las.
Houve dias em que a organização da “Tenda Santo Antonio de Pádua”, onde ela clinicava e operava, agendou mil consultas para Isaltina, cuja integridade levou o Supremo Conselho Sacerdotal Afro-Brasileiro, órgão máximo religioso da Federação Espírita Umbandista do Rio de Janeiro, e a União Afro-Brasileira, a promoverem campanhas visando atenuar o impacto de acusações que a incompreensão e a intransigência religiosas assacavam contra ela.
O mesmo apoio lhe chegou também do Instituto Cultural Afro-Brasileiro e da Federação Nacional das Sociedades Religiosas da Umbanda. Por último, vários médicos, inclusive profissionais sem nenhuma vinculação com o espiritismo, fizeram questão de acompanhar seu trabalho e atestaram os resultados e a ausência de prejuízos para as pessoas a quem ela assistia.
“Estamos impressionados com as curas que presenciamos”, admitiu um deles em depoimento a jornal fluminense.       
Parentes em Natal
Devolvida graças a muito esforço próprio ao anonimato, em plenos trinta e poucos anos, Isaltina, que se transferiu para Brasília, onde faleceria quarenta e tantos anos depois da atuação no Rio de Janeiro,  é um personagem cuja reconstituição ainda pode ser feita, através de fontes de informações encontradas no Rio de Janeiro, nos arquivos de jornais e em livros e imagens arquivadas por emissoras de televisão, bem como pelos livros que a descreveram ou degradaram. Melhor, ainda, é a parte da reconstituição que pode ser providenciada em Natal, onde ainda residem familiares muito próximos a ela, a começar por sua irmã Iolanda.
Um documentário sobre ela poderia ser financiado por uma dessas leis de incentivo à cultura, que em Natal mais patrocinam empreendimentos negociais do que a criação intelectual. E não precisaria ser laudatório, mas apenas mostrar aos conterrâneos e a interessados de longe o que Isaltina fez em benefício de muitos e a contribuição que emprestou à divulgação do espiritismo, pelo menos de sua vertente umbandista, no Brasil.
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5 comentários:

  1. LEMBRO DO FENÔMENO ISALTINA. TINHA 10 ANOS NA ÉPOCA. MINHA MÃE ERA ASSINANTE DA REVISTA "O CRUZEIRO", E MESMO CRIANÇA EU M LIA REPORTAGENS INTERESSANTES E ACOMPANHEI A TRAJETÓRIA DA M´DIUM ISALTINA.

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  2. A bondade e altruísmo de pessoas do bem no Brasil, atinge um nível de esquecimento imperdoável, principalmente numa época em que a dificuldade em atendimento médico e cuidados com a saúde viviam momentos de escacez, reavivar estes heróis é um ato sensato do reconhecimento de suas contribuições.
    Parabéns pela matéria!

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  3. Excelente reportagem e resgate da história. Devemos sempre relembrar o passado como forma de apreciação pelos que já se foram e aqui deixaram seu legado. Parabéns pela Matéria

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