Criança é flagrada trabalhando em casa de farinha,... |
O Rio Grande do
Norte continua a explorar a mão de obra infantil e rebaixando cada vez mais a
“maioridade trabalhista” das crianças, conforme constataram neste final de
semana auditores fiscais do ministério do Trabalho que se dedicaram a promover
a versão local da campanha nacional contra esta chaga social.
A constatação
consta de um depoimento que a auditora Marinalva Dantas, coordenadora do Fórum
Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil do Rio Grande do Norte e uma das
principais referências nacionais no combate à exploração da mão de obra
infantil, postou esta manhã numa rede social com o objetivo de relatar uma
investida do grupo num ambiente em que ela e os colegas esperavam constatar que
o vício social estaria sendo inibido.
....e outra mata rês bovina a marretadas, em matadouro municipal. |
Os auditores foram
a uma feira livre, que Marinalva não identificou na postagem, e descobriu que a
inserção das crianças no trabalho está sendo cada vez mais precoce. Eles
encontraram uma criança com cinco anos de idade em pleno trabalho como
vendedora de “dindin”, um tipo de sorvete muito popular no Rio Grande do Norte.
O pior da situação
foi descobrir que a população, “cliente” da exploração das crianças, irrita-se
contra qualquer esforço com o objetivo de coibi-la. “A população ficou hostil e
fomos ameaçadas, e mandaram que fôssemos embora, mencionando que havia muita
faca por ali. A polícia foi acionada, mas não apareceu!!!!!! Tivemos que
interromper nosso trabalho. Pode?”, testemunhou Marinalva. Infelizmente, os
populares que impediram a continuação do trabalho dos fiscais em benefício da
infância não constituem segmento mínimo da população. Pelo contrário, até
autoridades insistem em explorar a mão de obra infantil.
Prefeitos exploram
Entre as muitas
atividades em que o norte-rio-grandense explora o trabalho infantil destacam-se
a produção de farinha de mandioca e o abate clandestino de animais para consumo
humano. O Blog de Roberto Guedes recorre
a uma reportagem de pouco tempo atrás em que o problema foi focalizado nas dimensões
nacional e estadual tendo como depoente exatamente Marinalva.
Segundo a auditora,
pelo menos cem dos 167 municípios do Rio Grande do Norte abrigam locais de
abate, muitos pertencentes às prefeituras. Nas cidades de João Câmara, Nova
Cruz, Caicó, Acari e Bom Jesus, por exemplo, a fiscalização flagrou trabalho
infantil em matadouros públicos. “Há matadouros onde o gado do próprio prefeito
é abatido por crianças”, revela Marinalva.
Outro problema para
o combate a esse tipo de atividade é o fato de as crianças serem recrutadas por
via indireta e, formalmente, não serem empregadas da prefeitura, o que impede
os fiscais de autuarem a administração municipal. Uma solução legal, porém, foi
encontrada recentemente.
Marinalva: prefeitos exploram a mão de obra infantil. |
“Descobrimos que
podíamos fazer um auto de infração onde não é mencionada a palavra ‘empregado’,
e sim ‘manter em serviço pessoas com menos de 16 anos’. Com isso, começamos a
autuar prefeituras no caso das feiras livres. Isso foi considerado um avanço.
Agora, vamos usar esse instrumento nos matadouros porque a situação é a mesma”,
explica a auditora.
Vísceras e fezes
Ainda por cima,
enfatiza, no Rio Grande do Norte a erradicação do trabalho de crianças e
adolescentes no abate do gado é um grande desafio para o MTE também por causa
do traço cultural e familiar da atividade. “Em geral, são filhos de vaqueiros e
peões levados pelos próprios pais a trabalhar ali. O trabalho vai passando de
pai para filho.”
Em seu relato cru,
Marinalva diz que já encontrou adolescentes matando boi a marretadas, tirando a
pele, fazendo sangria, limpando as vísceras e as fezes.
“Já entrevistei um
menino que disse que bebia com cachaça o sangue do boi que jorrava do pescoço.
Outro disse que treinou matar boi matando gato na rua a pauladas, como vê o pai
fazer com o boi. Esses meninos veem gente matando gado, gado matando gente,
gente matando gente. A violência, a morte e a vida para eles são algo muito
banal”, afirma.
Isto lhes ficou ainda
mais evidente no município de Boa Saúde, com menos de dez mil habitantes no
agreste potiguar.
Desaforos e ameaças
Após tomarem
conhecimento da morte, por choque elétrico, de uma criança numa casa de
farinha, os auditores do ministério do Trabalho iniciaram um esforço de
conscientização na cidade e convocaram uma audiência pública na Câmara
Municipal local.
“Só saímos de lá
depois de meia-noite porque fomos obrigadas a ficar ouvindo todos os desaforos
dos vereadores, que diziam que a Constituição e o Estatuto da Criança e do
Adolescente são besteira, que não queriam ninguém de fora dizendo como eles
deveriam cuidar dos meninos da cidade. A platéia aplaudia tudo o que diziam.
Para eles, é normal uma criança morrer de choque elétrico numa casa de farinha.
E aquele não tinha sido o primeiro caso.”
Nessa ocasião, as
auditoras afastaram onze crianças do trabalho. Pelas contas de Marinalva, poderiam
ter afastado mais. “Como as casas de farinha são próximas, quando a gente chega
à primeira as pessoas já vão de moto e bicicleta avisar nas outras, e depois
não encontramos mais ninguém”, conta.
Depois do incidente
na Câmara Municipal de Boa Saúde, Marinalva nunca mais voltou à cidade. “Só
volto com acompanhamento da polícia e alguém do Ministério Público”, diz,
acreditando que algum dia essas instituições comprarão a briga em benefício das
crianças.
Depoimento
O Blog de Roberto Guedes transcreve
abaixo a postagem de Marinalva neste fim de semana:
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“Nós, os
Auditores-Fiscais do Trabalho estamos em campanha nacional contra o trabalho
infantil e por isso fomos ontem fiscalizar uma feira livre aqui no RN. Estava
chateada porque a PNAD 2013 publicou que no estado, a exploração de crianças no
trabalho havia tido um aumento de quase 10%. Agora entendo o porquê: a inserção
no trabalho está sendo cada vez mais precoce. O número está avançando para
baixo, para idade abaixo dos 10 anos! Encontramos menininha com 05 anos de idade
vendendo dindin junto com seu irmãozinho de 07 anos. Outro menino de 10 anos,
vendia fogos de artifício!!!!!! A população ficou hostil e fomos ameaçadas, e
mandaram que fôssemos embora, mencionando que havia muita faca por ali. A
polícia foi acionada, mas não apareceu!!!!!! Tivemos que interromper nosso
trabalho. Pode???????”
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Infelizmente, no
Rio Grande do Norte, tudo pode.
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