Januário Cicco é o grande cenário das cesáreas no Rio Grande do Norte. |
Está terminando o prazo da consulta
nacional sobre as restrições às cirurgias cesarianas – ou “cesaréias”, como
hoje preferem mencioná-las médicos e principalmente autoridades governamentais
-, e o Rio Grande do Norte ainda não se manifestou a respeito, deixando assim
de contribuir para o enrique cimento do debate a respeito do procedimento e
sonegando a seus habitantes maiores conhecimentos relacionados a ele.
A crítica foi formulada na noitinha
deste sábado, 23, ontem, por um conhecido profissional local da medicina, que
pediu para ser mantido no anonimato a fim de não ampliar as áreas de atrito que
mantém em diversas frentes, do corporativismo profissional ao conflito com
autoridades oficiais.
Salientando que o prazo para a consulta
se extinguirá nesta segunda-feira, 25, amanhã, ele observa que no Rio Grande do
Norte não cuidaram de colocar o tema em bate nem os governos federal, estadual
e municipais nem as diferentes entidades que representam médicos, assim como as
instituições de ensino da área da saúde, as maternidades aqui localizadas e,
principalmente, alguém que de algum modo representasse as mulheres, as famílias
e os nascituros.
Campeão
mundial
“É como se o problema só ocorresse além
das divisas do Rio Grande do Norte”, lastima, enfatizando que também no plano
nacional a consulta não parece estar mobilizando muita gente, o que pressiona
no sentido da manutenção do “status quo” ou, ao contrário, abre caminho para a
imposição de medidas acalentadas pelo governo federal.
Na verdade, o problema aqui atinge
proporções próximo do que se vê no cenário nacional, onde se constatou um
aumento assustador, na visão dos médicos da área. O índice nacional de parto
cesariano está em torno de 84% na rede privada e de 40% no Sistema Único de
Saúde (SUS).
Segundo os arquivos da secretaria
estadual de Saúde, as cesáreas constituem mais de 70% dos partos realizados nas
instituições privadas do Rio Grande do Norte. Na rede pública, esse percentual
cai para cerca de 30%. A ambulânciaterapia tem concentrado extraordinariamente a realização dessas cirurgias em Natal e em especial na maternidade-escola Januário Cicco, a principal referência estadual em obstetrícia e ginecologia.
O ministério da Saúde tem como meta o índice em torno de
15% para todo o país, embora saiba que isso é inviável, no dizer dos médicos. O
tolerável, pelo que apontam, é em torno de 25%.
Especialistas e mães listam uma série de
fatores para explicar esses altos índices de cesáreas, a necessidade de sua
redução e quando a cesariana realmente é necessária.
Mesmo assim, porém, a preocupação parece
haver desaparecido desde janeiro, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANSS), que regula os serviços prestados nos planos de saúde, publicou uma
resolução que estabelece normas para o estímulo do parto normal e a consequente
redução de cesarianas desnecessárias. A despeito das críticas que vem atraindo,
a ofensiva se justifica: o Brasil é o campeão mundial em cesáreas.
Três
cirurgias
A indiferença que parece reinar no plano
estadual, aqui e em outras unidades federativas, tem contraponto na preocupação
que líderes nacionais de áreas médicas afins têm externado em relação à estratégia
da União. Anteontem, por exemplo, três grandes entidades se uniram para
contraindicar a política governamental que se esboça. A Associação Médica
Brasileira (AMB), a Federação das Associações Brasileiras de Ginecologia e
Obstetrícia e a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgaram um manifesto
conjunto assegurando que as recomendações preconizadas pelo Ministério podem
colocar em risco as vidas das gestantes e afirmando que algumas práticas
sugeridas estão na contramão do que é feito em países desenvolvidos.
A Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), em São Paulo, por sua vez, encaminhou ao governo federal um
documento sugerindo várias alterações na política proposta. O fulcro da questão
é a determinação de impor o parto normal a mulheres que já se submeteram a três
cesarianas.
Salientando que corre o risco de cometer
um erro cronológico, o médico potiguar diz que a última vez em que alguma
entidade local tratou do assunto em público foi em meados da década passada. De
memória ele diz que na época o professor Ives Bezerra, presidente da Associação
de Genicologia e Obstetrícia e, paralelamente, do conselho deliberativo do ABC
Futebol Clube, pronunciou-se divulgando as indicações para a utilização da cesárea.
Seriam casos de hipertensão arterial ou
quando o feto posiciona-se horizontalmente em relação à bacia da grávida. Ela
também pode ser adotada quando se configura um
estreitamento da bacia ou quando a placenta fecha o canal vaginal, assim
como na inadequação no volume do líquido amniótico, o que prejudica a nutrição
do feto. A cirurgia também é recomendada se a gestação passou mais de nove meses
e dez dias.
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