Livro ajudará a mostrar quem foi Dom Eugênio. |
Tendo como principal conteúdo uma
entrevista que o sacerdote concedeu nos anos sessenta, quando era o primeiro
Bispo Auxiliar de Natal, o livro “Dom Eugênio Sales em Natal – fé e política”
será lançado no próximo dia 21, quinta-feira, às 19 horas, no auditório da
Federação das Indústrias (Fiern), em Lagoa Nova, na capital potiguar.
O personagem central da obra se destaca
na história recente da igreja católica apostólica romana no Brasil como criador,
ainda em Natal, das Comunidades Eclesiais de Base, da Campanha da Fraternidade
e do sistema de educação à distância através das ondas de rádio.
Quem deverá autografar “Dom Eugênio...”
são os professores Marcos Guerra, Otto Euphrasio de Santana e Safira Bezerra
Annann, que eram jovens colaboradores do personagem central do livro. E quem
está convidando para o evento é o arcebispo metropolitano, Dom Jaime Vieira da
Rocha, outro admirador de Dom Eugênio, até hoje o único norte-rio-grandense a
chegar ao cardinalato e a ser íntimo colaborador informal de papas.
Conversa
guardada
A gênese do livro é singularmente
centrada numa conversa de mais de sessenta anos atrás que nunca chegou a
público. Entre janeiro e março de 1963, o jornalista norte-americano Michael
Murphy, que trabalhava na Arquidiocese de Natal desde 1961, como Diretor da
Cáritas norte-americana, fez uma entrevista com Dom Eugênio, então
Administrador Apostólico de Natal.
Feita e transcrita originalmente em
inglês, idioma do entrevistador, ela nunca foi publicada, agora se transforma
no livro “Dom Eugênio Sales em Natal – fé e política”. Recentemente, seu texto
foi traduzido para o português pelo professor e jornalista Manuel Chaparro, português
que dirigia o semanário católico “A Ordem”, um dos principais periódicos de
Natal em meados do século passado, e sempre manteve vínculo com Dom Eugênio, e
por Camy Harland Condon, ensejando a publicação em livro.
Segundo Dom Jaime, autor do prefácio e
estudante de seminário ao longo do tempo em que o futuro Cardeal liderou a
igreja no Nordeste a partir de Natal e a despeito de não ser nem arcebispo, o
livro “revela, em primeira mão, na integralidade, o contexto e os fundamentos
da ação pastoral do Movimento de Natal, estimulado por Dom Eugênio de Araújo
Sales”.
Críticas
e revisão
Falecido a 9 de julho de 2012, aos 91
anos de idade, como arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio é ainda
hoje uma das personalidades mais estudadas da igreja contemporânea na América
Latina, tendo em vista os inúmeros papéis de destaque que desempenho, sob
holofotes e longe destes, em missões de que o Vaticano não podia se escusar.
Natural de Acari, no Seridó potiguar, sua
vida apostólica foi marcada pela defesa da ortodoxia católica. Combateu com
firmeza a esquerda católica, a “Teologia da Libertação” e o engajamento
político das Comunidades Eclesiais de Base, um dos filhos de que mais orgulhava.
Verdadeiro estadista a serviço da Igreja, do Papa e do Estado do Vaticano,
pautou sua conduta política em função do que era prioritário para estes. Tal
empenho o fez transformar-se em interlocutor especial junto aos comandantes dos
governos militares que se impuseram ao país em março de 1964. Esta aproximação
levou muitos críticos entrincheirados na esquerda a carimbá-lo como direitista
ou, pior ainda, servidor dos ditadores, porque ainda não conheciam o quanto ele
contrariava os militares através de corajosa atuação distante dos meios de
comunicação.
Coragem
Na verdade, nos bastidores e muitas
vezes extrapolando o perímetro destes, Dom Eugênio desenvolveu ações que exigiam
muita coragem pessoal e cívica a seus protagonistas, algo que pouco a pouco vem
passando a ser conhecido por todos os brasileiros, inclusive levando alguns de
seus antigos críticos à revisão dos conceitos que emitiam anos atrás a seu
respeito.
Numa articulação que mantinha
sigilosamente com os principais porta-vozes da igreja que irritavam os
governantes fardados de plantão, como os cardeais Dom Helder Câmara, em Recife,
e Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Eugênio fez mais pela redemocratização do Brasil
do que muitos vibrantes oradores da esquerda pátria que o criticavam.
Asilo
a perseguidos
Dom Eugênio principalmente assumiu a
defesa de refugiados políticos dos regimes militares latino-americanos entre
1976 e 1982. Passando da palavra à ação, montou uma rede de apoio a estes
refugiados juntamente com a Cáritas brasileira e o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados. Coube-lhe abrigá-los, inicialmente na Sede Episcopal,
no “Palácio São Joaquim”, e posteriormente em apartamentos alugados para tal
finalidade.
Além disto, financiou a estadia de
muitos destes refugiados até conseguir-lhes asilo político em países europeus,
cuidando também de ajudá-los a encontrar apoio nesses destinos. Graças a Dom
Eugênio, nos anos de chumbo do regime militar brasileiro sua organização
clandestina assegurou asilo para mais de quatro mil pessoas.
Enfrentando
generais
A imagem de Dom Eugênio pagou um preço
muito alto porque, enquanto usava sua autoridade para proteger os perseguidos
pelo regime, inclusive enfrentando oficiais de alta patente por diversas vezes,
ele sempre cuidou de manter o melhor relacionamento com presidentes fardados.
Isto, porém, não o impedia de enfrentá-los em situações críticas.
Certa feita, Dom Eugênio telefonou para
o general Sílvio Frota, então ministro do Exército e pré-candidato à sucessão
do presidente Ernesto Geisel e principalmente conhecido por sua face de linha
dura, e disse-lhe:
“Frota, se você receber comunicação de
que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que eu estou
protegendo comunistas, saiba que é verdade, e que eu sou o responsável. Ponto
final, ponto final”.
“Sobre
o meu cadáver”
Ele também atuou junto aos militares na
libertação de diversos acusados de subversão. Certa feita, levou alguns jovens
procurados pelas forças armadas para seu palácio episcopal, hospedando-os
enquanto o mais discretamente providenciava passagens aéreas para que chegassem
logo ao exterior e, ao saber que os militares queriam tocaiar seus hóspedes no
caminho para o aeroporto do Galeão, levou-os pessoalmente em seu carro de
representação da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Antes de saírem de casa, telefonou para
uma alta patente anunciando este deslocamento e dizendo que se quisessem
impedir o embarque dos jovens teriam que primeiro passar “sobre o meu cadáver”.
Autor do prefácio, Dom Jaime é quem convida. |
Noutra ocasião, recusou-se a celebrar
missa pelo aniversário do Ato Institucional Número Cinco, pedida pelo General
Abdon Sena, comandante militar de Salvador, onde era arcebispo.
Amigo
do Papa
A ação social desenvolvida por Dom
Eugênio abrangeu a criação de centros de atendimento a portadores de AIDS, a
Pastoral Carcerária e um núcleo de formação de líderes na residência do Sumaré.
Paralelamente a esta atuação
eminentemente nacionalista, Dom Eugênio foi um dos brasileiros que mais ocuparam
cargos no Vaticano: foram onze posições de destaque nas congregações, conselhos
e comissões, sempre por escolha pessoal do Papa, de João XXIII ao seu maior
amigo na Santa Sé, o saudoso papa João Paulo II.
Dom Eugenio era, por exemplo, Cardeal
Presbítero da Santa Igreja Romana, assim como do Título de São Gregório VII.
Seu lema, fundamentado na Carta de São Paulo aos Coríntios: "Impendam et
Superimpendar" (2Cor 12,15: “De mui boa vontade darei o que é meu, e me
darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos
amado por vós”).
Sua renúncia foi solicitada em 1997,
quando já completara 75 anos. Mas, por indulto especial de João Paulo II, foi
autorizado a permanecer à frente da arquidiocese até completar oitenta anos.
Sua aposentadoria foi finalmente aceita a 25 de julho de 2001, quando Dom
Eusébio Oscar Scheid, então arcebispo de Florianópolis, foi nomeado o seu
sucessor.
Protopresbítero
Dom Eugênio permaneceu de 25 de julho
até 22 de setembro de 2001 como administrador apostólico do Rio, nomeado por
João Paulo II.
Nesse dia, na presença de grande número
de bispos e sacerdotes, entregou o governo da arquidiocese, através da passagem
do báculo (cajado simbólico do pastoreio do povo de Deus, utilizado pelos
bispos) a Dom Eusébio, até então não revestido da dignidade cardinalícia, que
só viria a obter em 2003.
Dom Eugênio permaneceu residindo no Rio
de Janeiro, no Palácio Apostólico do Sumaré, e permaneceu em funções no
Vaticano. Possuiu o título de Cardeal Protopresbítero, ou seja, o mais antigo
em idade e/ou nomeação entre os Cardeais Presbíteros.
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Parabéns pela fidelidade dos relatos. Adionel Carlos da Cunha, assessor de imprensa de Dom Eugenio na Arquidiocese do Rio, de 1971-2012
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