sábado, 9 de maio de 2015

Livro contará a história de Dom Eugênio

Livro ajudará a mostrar quem foi Dom Eugênio.
Tendo como principal conteúdo uma entrevista que o sacerdote concedeu nos anos sessenta, quando era o primeiro Bispo Auxiliar de Natal, o livro “Dom Eugênio Sales em Natal – fé e política” será lançado no próximo dia 21, quinta-feira, às 19 horas, no auditório da Federação das Indústrias (Fiern), em Lagoa Nova, na capital potiguar.
O personagem central da obra se destaca na história recente da igreja católica apostólica romana no Brasil como criador, ainda em Natal, das Comunidades Eclesiais de Base, da Campanha da Fraternidade e do sistema de educação à distância através das ondas de rádio.
Quem deverá autografar “Dom Eugênio...” são os professores Marcos Guerra, Otto Euphrasio de Santana e Safira Bezerra Annann, que eram jovens colaboradores do personagem central do livro. E quem está convidando para o evento é o arcebispo metropolitano, Dom Jaime Vieira da Rocha, outro admirador de Dom Eugênio, até hoje o único norte-rio-grandense a chegar ao cardinalato e a ser íntimo colaborador informal de papas.
Conversa guardada
A gênese do livro é singularmente centrada numa conversa de mais de sessenta anos atrás que nunca chegou a público. Entre janeiro e março de 1963, o jornalista norte-americano Michael Murphy, que trabalhava na Arquidiocese de Natal desde 1961, como Diretor da Cáritas norte-americana, fez uma entrevista com Dom Eugênio, então Administrador Apostólico de Natal.
Feita e transcrita originalmente em inglês, idioma do entrevistador, ela nunca foi publicada, agora se transforma no livro “Dom Eugênio Sales em Natal – fé e política”. Recentemente, seu texto foi traduzido para o português pelo professor e jornalista Manuel Chaparro, português que dirigia o semanário católico “A Ordem”, um dos principais periódicos de Natal em meados do século passado, e sempre manteve vínculo com Dom Eugênio, e por Camy Harland Condon, ensejando a publicação em livro.
Segundo Dom Jaime, autor do prefácio e estudante de seminário ao longo do tempo em que o futuro Cardeal liderou a igreja no Nordeste a partir de Natal e a despeito de não ser nem arcebispo, o livro “revela, em primeira mão, na integralidade, o contexto e os fundamentos da ação pastoral do Movimento de Natal, estimulado por Dom Eugênio de Araújo Sales”.
Críticas e revisão
Falecido a 9 de julho de 2012, aos 91 anos de idade, como arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio é ainda hoje uma das personalidades mais estudadas da igreja contemporânea na América Latina, tendo em vista os inúmeros papéis de destaque que desempenho, sob holofotes e longe destes, em missões de que o Vaticano não podia se escusar.
Natural de Acari, no Seridó potiguar, sua vida apostólica foi marcada pela defesa da ortodoxia católica. Combateu com firmeza a esquerda católica, a “Teologia da Libertação” e o engajamento político das Comunidades Eclesiais de Base, um dos filhos de que mais orgulhava. Verdadeiro estadista a serviço da Igreja, do Papa e do Estado do Vaticano, pautou sua conduta política em função do que era prioritário para estes. Tal empenho o fez transformar-se em interlocutor especial junto aos comandantes dos governos militares que se impuseram ao país em março de 1964. Esta aproximação levou muitos críticos entrincheirados na esquerda a carimbá-lo como direitista ou, pior ainda, servidor dos ditadores, porque ainda não conheciam o quanto ele contrariava os militares através de corajosa atuação distante dos meios de comunicação.
Coragem
Na verdade, nos bastidores e muitas vezes extrapolando o perímetro destes, Dom Eugênio desenvolveu ações que exigiam muita coragem pessoal e cívica a seus protagonistas, algo que pouco a pouco vem passando a ser conhecido por todos os brasileiros, inclusive levando alguns de seus antigos críticos à revisão dos conceitos que emitiam anos atrás a seu respeito.  
Numa articulação que mantinha sigilosamente com os principais porta-vozes da igreja que irritavam os governantes fardados de plantão, como os cardeais Dom Helder Câmara, em Recife, e Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Eugênio fez mais pela redemocratização do Brasil do que muitos vibrantes oradores da esquerda pátria que o criticavam.   
Asilo a perseguidos
Dom Eugênio principalmente assumiu a defesa de refugiados políticos dos regimes militares latino-americanos entre 1976 e 1982. Passando da palavra à ação, montou uma rede de apoio a estes refugiados juntamente com a Cáritas brasileira e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coube-lhe abrigá-los, inicialmente na Sede Episcopal, no “Palácio São Joaquim”, e posteriormente em apartamentos alugados para tal finalidade.
Além disto, financiou a estadia de muitos destes refugiados até conseguir-lhes asilo político em países europeus, cuidando também de ajudá-los a encontrar apoio nesses destinos. Graças a Dom Eugênio, nos anos de chumbo do regime militar brasileiro sua organização clandestina assegurou asilo para mais de quatro mil pessoas.
Enfrentando generais
A imagem de Dom Eugênio pagou um preço muito alto porque, enquanto usava sua autoridade para proteger os perseguidos pelo regime, inclusive enfrentando oficiais de alta patente por diversas vezes, ele sempre cuidou de manter o melhor relacionamento com presidentes fardados. Isto, porém, não o impedia de enfrentá-los em situações críticas.
Certa feita, Dom Eugênio telefonou para o general Sílvio Frota, então ministro do Exército e pré-candidato à sucessão do presidente Ernesto Geisel e principalmente conhecido por sua face de linha dura, e disse-lhe:
“Frota, se você receber comunicação de que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que eu estou protegendo comunistas, saiba que é verdade, e que eu sou o responsável. Ponto final, ponto final”.
“Sobre o meu cadáver”
Ele também atuou junto aos militares na libertação de diversos acusados de subversão. Certa feita, levou alguns jovens procurados pelas forças armadas para seu palácio episcopal, hospedando-os enquanto o mais discretamente providenciava passagens aéreas para que chegassem logo ao exterior e, ao saber que os militares queriam tocaiar seus hóspedes no caminho para o aeroporto do Galeão, levou-os pessoalmente em seu carro de representação da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Antes de saírem de casa, telefonou para uma alta patente anunciando este deslocamento e dizendo que se quisessem impedir o embarque dos jovens teriam que primeiro passar “sobre o meu cadáver”.
Autor do prefácio, Dom Jaime é quem convida.
Noutra ocasião, recusou-se a celebrar missa pelo aniversário do Ato Institucional Número Cinco, pedida pelo General Abdon Sena, comandante militar de Salvador, onde era arcebispo.
Amigo do Papa
A ação social desenvolvida por Dom Eugênio abrangeu a criação de centros de atendimento a portadores de AIDS, a Pastoral Carcerária e um núcleo de formação de líderes na residência do Sumaré.
Paralelamente a esta atuação eminentemente nacionalista, Dom Eugênio foi um dos brasileiros que mais ocuparam cargos no Vaticano: foram onze posições de destaque nas congregações, conselhos e comissões, sempre por escolha pessoal do Papa, de João XXIII ao seu maior amigo na Santa Sé, o saudoso papa João Paulo II.
Dom Eugenio era, por exemplo, Cardeal Presbítero da Santa Igreja Romana, assim como do Título de São Gregório VII. Seu lema, fundamentado na Carta de São Paulo aos Coríntios: "Impendam et Superimpendar" (2Cor 12,15: “De mui boa vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos amado por vós”).


Sua renúncia foi solicitada em 1997, quando já completara 75 anos. Mas, por indulto especial de João Paulo II, foi autorizado a permanecer à frente da arquidiocese até completar oitenta anos. Sua aposentadoria foi finalmente aceita a 25 de julho de 2001, quando Dom Eusébio Oscar Scheid, então arcebispo de Florianópolis, foi nomeado o seu sucessor.
Protopresbítero
Dom Eugênio permaneceu de 25 de julho até 22 de setembro de 2001 como administrador apostólico do Rio, nomeado por João Paulo II.
Nesse dia, na presença de grande número de bispos e sacerdotes, entregou o governo da arquidiocese, através da passagem do báculo (cajado simbólico do pastoreio do povo de Deus, utilizado pelos bispos) a Dom Eusébio, até então não revestido da dignidade cardinalícia, que só viria a obter em 2003.

Dom Eugênio permaneceu residindo no Rio de Janeiro, no Palácio Apostólico do Sumaré, e permaneceu em funções no Vaticano. Possuiu o título de Cardeal Protopresbítero, ou seja, o mais antigo em idade e/ou nomeação entre os Cardeais Presbíteros.
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Um comentário:

  1. Parabéns pela fidelidade dos relatos. Adionel Carlos da Cunha, assessor de imprensa de Dom Eugenio na Arquidiocese do Rio, de 1971-2012

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