Sem se deixar
contagiar pela sensação de que venceram a guerra ao desmentir o Tribunal de
Contas, que não os acreditava donos do terreno que disputam, os moradores do
edifício Luciano Barros esperam da corte ataques ainda piores do que a
utilização do governador Robinson Faria, porque a mobilização deste pela
repartição colegiada terminou emprestando-lhe argumento capaz de levá-los a
continuar donos do que lhes pertence, um imóvel situado numa das regiões de
metro quadrado mais caro de Natal.
A movimentação pública de ontem é símbolo de uma mobilização que permanece até o fim do esbulho governamental. |
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ROBERTO
GUEDES
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Uma sensação de paz se instalou
ilegitimamente entre os natalenses que há dias questionavam a desapropriação de
parte do terreno do condomínio Luciano Barros, em Petrópolis, para abrigar o
estacionamento de veículos pertencentes ao Tribunal de Contas do Rio Grande do
Norte e aos servidores destes, a partir dos sete integrantes de sua cúpula, os
conselheiros que formam seu núcleo decisório. Os condôminos, porém, ainda não
comemoram vitória, antes preparam-se para estocadas piores.
A causa do equívoco em que evitam
mergulhar é o fato de haver desabado no âmbito da corte a certeza de que ela
jogou estupidamente errado ao veicular a convicção de que o terreno em questão
não pertenceria aos moradores do edifício, seu vizinho que se destaca
historicamente como a primeira habitação coletiva vertical do trecho da avenida
Getúlio Vargas em que o Tribunal de Contas se reúne desde os anos sessenta.
Um desmentido com que os condôminos do
Luciano Barros calaram o Tribunal de Contas do Estado espargiu em Natal a
impressão de que finalmente a corte havia desistido de incorporar o terreno a
seu patrimônio, em detrimento dos direitos dos proprietários, encerrando uma
peleja que tem como cenário e troféu um dos metros quadrados mais caros da
capital potiguar.
"A única batalha que vencemos até agora foi a da verdade", afirma o médico Ivis Bezerra, líder dos condôminos, salientando o desmentido com que estes calaram a corte de Contas. Um outro morador sugere que os dirigentes do Tribunal de Contas do Estado sejam chamados a responder pela produção de documento em que desonestamente a corte acusou os condôminos de não serem legítimos donos do imóvel que defendem.
Sem
rendição
A rendição, entretanto, ainda não foi
assimilada pelos conselheiros que mandam no tribunal, a despeito de sua causa
estar angariando reações em contrário em todos os ambientes, inclusive na
Assembléia Legislativa potiguar, onde despertou a oratória do deputado estadual
José Dias (PSD), vizinho de rua dos contendores, e provocando risos em larga
escala. O pior alvo da hilaridade parlamentar é, a propósito, uma pessoa muito
querida na casa. Trata-se do vice-governador Fábio Dantas, que terminou
aparecendo como pai do monstrengo do Tribunal de Contas ao substituir o
governador Robinson Faria no ritual da desapropriação indigesta.
Os conselheiros de contas encomendaram a
assessores estudos que possam resgatar o que acreditam ser o direito da corte
em prejuízo do condomínio. A qualquer momento o tribunal esgrimirá o lance que
seus juristas viabilizarem, porque a decisão de abrigar seus carros no terreno
vizinho está mais do que consolidada, como previu ontem ao Blog de Roberto
Guedes um alto funcionário da casa.
Na verdade, porém, os integrantes do
Condomínio Luciano Barros, dono do edifício homônimo e por extensão do terreno
almejado pelos conselheiros, não querem dormir porque têm certeza de que o
Tribunal de Contas do Estado já acordaram do impacto causado pela constatação
de seu erro e tudo fará para colocar em prática uma revanche que os imobilize.
"As fotos da mobilização pública de ontem sugerem que estaremos permanentemente mobilizados enquanto não afastarmos definitivamente a ameaça de esbulho governamental", diz um morador, evitando identificar-se para não atrair contra si a ira dos dirigentes da corte de contas, os quais, a seu ver, "escolheram o Luciano Barros 'no apoio'".
Usando
o Governador
Os moradores do Luciano Barros esperam
do Tribunal de Contas algo ainda pior do que a forma como o governador Robinson
Faria reafirmou ontem que aderiu à causa dos conselheiros. Em decreto que
publicou no “Diário Oficial do Estado”, o Governador abriu um crédito
suplementar de 1,5 milhão de reais para que a corte cubra a desapropriação.
Segundo moradores, ao utilizarem
Robinson os conselheiros deixaram claro que farão tudo para vencer a parada,
porque já a tomaram como questão pessoal, não importa quanto custe nem a quem
penalize.
O segundo ato público que os condôminos
do Luciano Barros promoveram em defesa de seu terreno, realizada ontem, teve
exatamente o objetivo de mantê-los mobilizados para resistirem melhor à ação
que esperam dos adversários. Enquanto isto, o líder dos proprietários do
edifício, médico Ivis Bezerra, que também é no time o portador de mais amizades
entre os integrantes do Tribunal de Contas do Estado, cuida junto a operadores
do direito no sentido de secundar a resposta de anteontem com uma ação judicial
“redonda”, como dizem noutro campo em que sua diplomacia faz sucesso, o do futebol,
para que o Tribunal não mais insista em tentar tomar na marra seu imóvel.
Não
tinha o dinheiro
Eles já elencaram vários fatos e
desenvolveram argumentos capazes de encostar o tribunal no canto do ringue.
Entre os dois melhores raciocínios que os advogados mobilizados pelos
condôminos destacam-se dois que lhes foi dado de presente anteontem pelo
Governador e pelo próprio Tribunal de Contas do Estado.
Ao defender em documento oficial a sua
proposta de indenizar os vizinhos incômodos com 1,7 milhão de reais por metro
quadrado, no processo de desapropriação que deflagrou o conflito, a corte se
perdeu nas suas alturas ao dizer que o terreno em litígio não pertence aos
condôminos. Minutos depois, estes demonstraram o contrário, calando os
conselheiros ao publicar documentos cartoriais que comprovam sua propriedade.
O outro argumento é o da improvisação
com que a corte resolveu ganhar a questão a ferro e a fogo. Tão logo veio a
publico a manobra da desapropriação, que o Blog
de Roberto Guedes divulgou em primeira mão ainda em 25 de junho, quando
noticiou o problema sob o título “Robinson toma terreno de particulares para
dar ao TCE”, o Tribunal de Contas correu a dizer que a desapropriação não
criaria ônus a ninguém porque já tinha o dinheiro para bancar a transferência
de titularidade do imóvel.
Errando muito com seu jeito de "rolo compressor", o Tribunal de Contas pagou mico para saber que o terreno tem dono, ao contrário do que havia afirmado em documento oficial. |
Caso a tivesse sido verdadeira a
arrumação prévia do dinheiro tivesse precedido a sofreguidão com que os
conselheiros resolveram lançar mão do terreno alheio, o Tribunal de Contas do
Estado não teria pressionado Robinson para ceder-lhe oficialmente anteontem o
dinheiro que lhe disponibilizou com esta finalidade.
Embora desconsiderada cotidianamente em
todo o país, a regra de desapropriações diz que nada pode ser afetado por este
tipo de intervenção governamental se o dinheiro para indenizar os atingidos não
já estiver ouvindo a conversa. Neste caso, o único tilintar que se ouviu veio
do poder executivo, a despeito mesmo de este cuidar muito pouco de suas
finalidades precípuas sob o argumento de que não tem recursos.
Por
que pagaria a invasores?
A outra linha de defesa fornecida pelo
Tribunal de Contas aos condôminos está na convicção com que este os declarou
ocupantes ilegais do imóvel. Se tinha esta certeza, por que o Tribunal de
Contas resolveu indenizá-los, em lugar de expulsá-los do quintal do Luciano
Barros sob o argumento de algum tipo de esbulho possessório?
Esta é uma contradição que, enquanto
poder fiscalizador, um tribunal de contas nunca aceitaria como prática de
qualquer gestor submetido a suas lupas. Se o suposto proprietário do bem
sujeito a desapropriação não é seu legítimo dono, por quê o ente público lhe
pagaria? Os furos que o Tribunal de Contas expõe na sua atitude, porém, vão
mais longe.
Impacto
no trânsito
Sentindo cheiro de muita subjetivação do
que deveria ser tratado objetivamente pelo poder público, o braço jurídico do
condomínio residencial avança em outras direções que tendem a pelo menos
dificultar a realização do súbito sonho dos conselheiros. Uma delas é levantar
a questão do impacto no trânsito com base na legislação que Natal criou a este
respeito, pioneiramente, aliás, há vários anos, graças à efêmera atuação do
engenheiro Medeiros como vereador.
A lei diz que um empreendimento predial
não pode ser tocado se causar problemas ao trânsito da área em que se situa seu
imóvel. No caso, a implantação de um estacionamento numa estreita rua
eminentemente residencial, caso da rua Professor Paulo Pinheiro de Viveiros, artéria situada nos fundos da sede do
Tribunal de Contas, representa risco, certeza ou convicção de que causará
enorme impacto negativo para os moradores do logradouro.
Não foi sem sentido que os moradores dos
edifícios situados nesta rua participaram, destacadamente, do ato público que
os condôminos do Luciano Barros promoveram ontem diante do Tribunal de Contas:
na verdade, forando a questão patrimonial, o litígio confronta menos a corte
contra os donos materiais do terreno em questão do que com os moradores da rua
de baixo.
Prefeitura
e promotoria
“O direito coletivo destes moradores é
ainda mais defensável do que o dos donos de bens submetidos a desapropriação em
função do interesse público”, diz um advogado, lembrando que organizações
poderosas já tiveram que se curvar diante das exigências da lei do impacto no
trânsito.
O prefeito Carlos Eduardo, ainda ausente, tem muita contribuição a dar aos moradores do Luciano Barros. |
Quanto a este aspecto, acrescenta, os
litigantes podem agir através de duas interpostas pessoas que têm poder
coercitivo, a prefeitura de Natal e o ministério público estadual, a quem
compete fazer respeitar a lei de impacto no trânsito. Um morador amigo do
prefeito Carlos Eduardo Alves resolveu procurá-lo para tratar do assunto,
lembrando que o burgomestre tem ótimas relações com o edifício.
O pai do Prefeito, o jornalista e
político Agnelo Alves, falecido há poucos dias, como deputado estadual pelo
PDT, aos 83 anos, morou durante mais de vinte anos no Luciano Barros, onde
recebia o filho praticamente todos os dias para uma refeição e principalmente
para conversarem sobre política. O condômino que quis entronizar Carlos Eduardo na causa, em defesa de seu grupo, soube que o burgomestre havia passado quase toda a última semana em São Paulo, em função de questão de saúde na sua família, devendo estar a postos para a causa de hoje para amanhã.
Luciano, que se destacou em relação ao "Prédio Mico" do ministério público estadual, deve se manifestar logo sobre o conflito entre o Tribunal de Contas e os moradores do Luciano Barros. |
Prédio
“Mico”
Um terceiro ente público que tem
legitimidade de sobra para entrar neste campo é o Ministério Público de Contas,
vinculado ao tribunal, que tem muito “know how” sobre o assunto pelo menos
desde que investigou o descumprimento da lei na compra de um imóvel com
estacionamento insuficiente, na esquina da avenida Deodoro com a rua José de
Alencar, no encontro entre os bairros de Cidade Alta, Baldo e Tirol, pelo
ministério público estadual.
Há pouco tempo, o ministério público de
Contas apontou uma Procuradora de
Justiça como responsável pelos ônus que a compra desse imóvel, batizado como
“Prédio Mico do Ministério Público”, impôs ao “parquet” estadual, querendo que
ela indenize os cofres públicos com o prejuízo monetariamente atualizado.
O ministério público especial de Contas ainda está silente a respeito do conflito entre o Tribunal de Contas e os moradores do Luciano Barros, talvez por ser parte da causa, em litisconsórcio com o Tribunal de Contas, ou apenas porque seu titular, procurador Luciano Silva Costa Ramos, ter passado alguns dias fora de Natal, em férias.
Força
Mais importante do que estas questões,
entretanto, para um dos operadores do direito que se debruçam sobre o conflito,
é o real interesse que motiva o Tribunal de Contas do Estado, que aparentemente
despreza regras básicas de planejamento, indispensáveis em administração e
principalmente na gestão pública.
Ele acha que estão lidando com um
oponente que, quando quer, não respeita limites. Alude a alguém com muito poder
na corte que se deixou invadir subitamente pelo desejo de fazê-la tomar o
terreno aos legítimos donos e saiu cooptando para sua causa quem encontrasse
pelo caminho, notadamente o vice-governador Fábio Dantas, que há anos alimenta
o sonho de integrar o Tribunal de Contas do Estado.
Ainda sem ter nome e rosto, ao menos publicamente,
esse “rolo compressor” parece haver passado por cima do fundamental ao querer
transformar em interesse público, forjando a legitimação para agir do Tribunal
de Contas, o que não passa de questão menor. Afinal de contas, é mesmo
questionável a razão que justificaria a desapropriação.
“Babilônia”
inadequada
Como argumentam os condôminos do Luciano
Barros, se sofre hoje com falta de estacionamento para os automóveis próprios e
os de seus servidores e visitantes, o Tribunal de Contas do Estado é o único
responsável, por imprevidência. Ele deveria ter previsto o aumento progressivo
de áreas de estacionamento quando planejou a construção de sua sede, que muitos
outros ocupantes do poder público mencionam como “Babilônia”.
“Se o tribunal tivesse cuidado
saudavelmente do assunto este não estaria hoje transformado num problema e num
conflito em que ele pensa em passar por cima de todo mundo com um tanque de
guerra”, salienta um morador do Luciano Barros. O argumento, porém, tem mais
profundidade.
Burocracia
entre residências
Quando o Tribunal de Contas anunciou o
projeto de construção de sua sede, contrários mostraram logo que seria impróprio
investir daquela forma num quarteirão eminentemente residencial.
A bem da verdade, o prédio do Tribunal
de Contas do Estado passou então a ser o único imóvel não residencial do
quarteirão, porque os sete conselheiros que então mandavam na repartição
colegiada não queriam abrir mão do visual de que dispõem desde os anos
sessenta, o do imenso mar que se descortina das salas do alto da avenida
Getúlio Vargas em que têm sede, ancestralmente, algumas das mais notórias rodas
de bate papo em horário de trabalho em todo o Rio Grande do Norte.
Não cuidaram de estudar melhor, naquela
ocasião, as implicações futuras de seu duplo equívoco – o de chantar seu
arranha-céu no lugar errado e de economizar na produção simultânea das vagas de
estacionamento que agora lhe fazem falta. Parece que a cura para essa incúria
está em tomar o alheio, o que se confronta radicalmente com a finalidade
precípua da corte, que fiscaliza gestões para evitar que gestores públicos
passem os pés pelas mãos e juntem o alheio com o seu.
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(150709 às 09h48m).
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